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Poema de Vicente de Carvalho
A lousa tumular o corpo fecha e cobre
De sombra e de abandono,
E paira, horrível como um pesadelo, sobre
O derradeiro sono.
É, de certo, pior que a morte; desconforto
É, por certo, mais triste:
A morte mata só - e não separa o morto
De tudo mais que existe.
Que é a morte, afinal, que tanto horror merece?
- Mais um degrau da escada
Por onde eternamente a vida sobe e desce
Do nada para o nada.
Pelo agitado mar sem praias do universo
O homem surge e deriva
Ao acaso, como um floco de espuma, emerso
De uma onda fugitiva.
O homem surge e deriva
Ao acaso, como um floco de espuma, emerso
De uma onda fugitiva.
Quando a morte o devolve ao seio que o gerara,
Sem que o extinga e consuma,
Funde-o na onda que vai rolando e que não para
De erguer flocos de espuma.
Sem que o extinga e consuma,
Funde-o na onda que vai rolando e que não para
De erguer flocos de espuma.
O morto volve ao chão da terra benfeitora
Desfeito em mil destroços,
E restitui-lhe assim tudo que em vida fora:
- Carne vestindo uns ossos.
Desfeito em mil destroços,
E restitui-lhe assim tudo que em vida fora:
- Carne vestindo uns ossos.
Só perde um sonho: o sonho apenas esboçado
No rápido transporte
Que o trouxe bruscamente impelido, empurrado
Do berço para a morte.
Sonho belo talvez, confuso com certeza,
Feito de riso e pranto,
Feito de sombra e luz, de alegria e tristeza,
De encanto e desencanto.
No rápido transporte
Que o trouxe bruscamente impelido, empurrado
Do berço para a morte.
Sonho belo talvez, confuso com certeza,
Feito de riso e pranto,
Feito de sombra e luz, de alegria e tristeza,
De encanto e desencanto.
Sonho que surge como um turbilhão, e passa
E acaba num momento
Como um rumor sem eco, um pouco de fumaça
Espalhada no vento.
E acaba num momento
Como um rumor sem eco, um pouco de fumaça
Espalhada no vento.
Tudo mais volta ao seio infinito desse horto
Que gera eternamente
A vida, e espera só que a morte, em cada morto
Lhe atire uma semente.
Fonte: "Poemas e Canções", Cardozo, Filho e Cia, 1908.
Originalmente publicado em: "Poemas e Canções", Cardozo, Filho e Cia, 1908.
Que gera eternamente
A vida, e espera só que a morte, em cada morto
Lhe atire uma semente.
Fonte: "Poemas e Canções", Cardozo, Filho e Cia, 1908.
Originalmente publicado em: "Poemas e Canções", Cardozo, Filho e Cia, 1908.