Primeira canção do beco - Manuel Bandeira

Manuel Bandeira, maior poeta da primeira geração do modernismo brasileiro.

Poema de Manuel Bandeira



Teu corpo dúbio, irresoluto
De intersexual disputadíssima,
Teu corpo, magro não, enxuto,
Lavado, esfregado, batido,
Destilado, asséptico, insípido
E perfeitamente inodoro
É o flagelo de minha vida,
Ó esquizoide! ó leptossômica!

Por ele sofro há bem dez anos
(Anos que mais parecem séculos)
Tamanhas atribuições,
Que às vezes viro lobisomem,
E estraçalhado de desejos
Divago como cães danados
A horas mortas, por becos sórdidos!

Põe paradeiro a este tormento!
Liberta-me de atroz recalque!
Vem ao meu quarto desolado
Por estas sombras de convento,
E propicia aos meus sentidos
Atônitos, horrorizados
A folha-morta, o parafuso.
O trauma, o estupor, o decúbito!




Fonte: "Antologia Poética", Editora Nova Fronteira, 2001.
Originalmente publicado em: "Estrela da Tarde", 1963.