Os segredos
Poema de Silva Alvarenga
Vi cupido, ó Glaura, um dia
Em que ardia o sol no prado,
E sentado entre arvoredos
Mil segredos me mostrou.
Suspirei ao ver nas flores
A desgraça e a ventura:
E inda mais quando a ternura
E os amores me afirmou.
Penso então absorto e mudo
Nos encantos da beleza
Que risonha a natureza
Sobre tudo derramou.
Vi cupido, ó Glaura, um dia
Em que ardia o sol no prado,
E sentado entre arvoredos
Mil segredos me mostrou.
Entendi o som constante
Deste rio gracioso,
E o do zéfiro saudoso,
Fino amante, me agradou.
Esta fonte despenhada
Também geme, também chora,
E dos troncos que enamora
Apartada se queixou.
Vi cupido, ó Glaura, um dia
Em que ardia o sol no prado,
E sentado entre arvoredos
Mil segredos me mostrou.
Se me vês enternecido
Ao rolar o pombo, atende,
Que a minha alma a voz lhe entende;
Pois cupido me enfunou.
Frio peixe, bruta fera,
Veloz ave... ah quanto existe
Ao amor em vão resiste
Que na esfera triunfou.
Vi cupido, ó Glaura, um dia
Em que ardia o sol no prado,
E sentado entre arvoredos
Mil segredos me mostrou.
Ternos votos ele inflama
Em ardor suave e puro:
Corações de bronze duro
Noutra chama incendiou.
E sabendo que estes vales
Só me dão cruéis abrolhos,
Com a doçura dos teus olhos
Os meus males abrandou.
Vi cupido, ó Glaura, um dia
Em que ardia o sol no prado,
E sentado entre arvoredos
Mil segredos me mostrou.
Fonte: "Obras Poéticas", B. L. Irmãos Garnier, 1864.
Originalmente publicado em: "Glaura: poemas eróticos", Officina Nunesiana, 1799.