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Poema de Fernando Pessoa



Dai-me rosas e lírios,
Dai-me flores, muitas flores,
Quaisquer flores, desde que sejam muitas...
Não, nem sequer muitas flores, falai-me apenas

Em me dardes muitas flores,
Nem isso... Escutai-me apenas pacientemente quando vos peço

Que me deis flores...
Sejam essas as flores que me deis...

Ah, a minha tristeza dos barcos que passam no rio
Sob o céu cheio de sol!
A minha agonia da realidade lúcida!
Desejo de chorar absolutamente como uma criança

Com a cabeça encostada aos braços cruzados em cima da mesa,
E a vida sentida como uma brisa que me roçasse o pescoço
Estando eu a chorar naquela posição.

O homem que apara o lápis à janela do escritório
Chama pela minha atenção com as mãos do seu gesto banal.
Haver lápis e aparar lápis e gente que os apara à janela é tão estranho!
É tão fantástico que estas coisas sejam reais!
Olho para ele até esquecer o sol e o céu.
E a realidade do mundo faz-me doer a cabeça.

A flor caída no chão.
A flor murcha (rosa branca amarelecendo)
Caída no chão...
Qual é o sentido da vida?



Fonte: 'Obra Poética', décima edição, Editora Nova Fronteira, 2001.

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