À sogra de Gonçalo Dias
Poema de Gregório de Matos
Senhora velha, se é dado
A quem é vosso valido
Aplicar-vos o sentido,
Ouvi vosso apaixonado:
Dá-me notável cuidado
Saber como ides urdindo
Um e outro sonho lindo,
Porque me atrevo a dizer
Que, para tais sonhos ter,
Sempre estivera dormindo.
Diz um português rifão,
Nascido em tempo dos monhos,
Que ninguém creia em seus sonhos,
Porque sonhos, sonhos são:
Eu sigo outra opinião,
Desde que os vossos vi;
E tão firmemente os cr(i),
Que, se os tenho por verdade,
É porque, na realidade,
Os masquei e os engoli.
Eu dormira todo o dia,
E a vida desperdiçando,
Sempre estivera sonhando,
Só por sonhar que os comia.
O sonhar é fantasia
Da alma que, quando descansa,
Não larga sua lavrança,
Seu trabalho e sua tarefa;
E, como a minha alma é trefa,
No que lida é na papança.
Não são sonhos enfadonhos
Sonhos tão adocicados,
Que, em vez de sonhos sonhados,
São sempre engolidos sonhos.
Outros há - medonhos, tristonhos -
Que um homem deixam turbado
Depois do sonho acordado:
Os vossos tal não farão,
E ao menos me deixarão
Mel pelos beiços untado.
Fonte: "Obra Poética", Tipografia Nacional, 1882.
Originalmente publicado em códices da segunda metade do século XVII.