O momento oportuno
Poema de Henriqueta Lisboa
Vem de fora até mim uma onda boa
de mansidão e de doçura.
A penumbra não tarda. Uma garoa
tranquilamente pura
veste a paisagem de uma nódoa quase
imperceptível. Daqui desta janela
vejo-a, mais tênue do que gaze
flutuando ao longo de uma tela.
A olhar a chuva toda me concentro;
desfia no ar a seda fina em meadas
e, ao seu contágio, pelo parque adentro,
há uma chuva de rosas enevoadas.
Cabeceiam corolas tontas. Certo
é o vinho que beberam. Quando a chuva
começou a cair aqui por perto,
trazia um cheiro delicioso de uva.
Vinha alegre, cantando. Vinha rindo
como se fosse louca. Abria os braços
num gesto serpenteante e lindo
a farfalhar rendas e laços.
Está mais triste agora e, por isso, mais branda.
Perde a força, abandona-a à medida que cai.
Penso que assim é seu destino - sonho que anda
sem saber onde vai...
Sonho que vem chegando ao coração da gente
devagarinho, a espiar, canto por canto.
Não há repulsa, aliás; é indiferente...
Quando a chuva se for, quebra-se o encanto.
Pobre sonho! Confuso, humilde, vão.
Que mal faz acolhê-lo por uma hora?
Outro podia ser fatal, mas este não...
Quando a chuva se for, há de se ir embora.
Põe-se a dizer loucuras - só de criança!
Diz, por exemplo, que fui sempre o seu amor.
Sinto uma vaga desconfiança:
é capaz de ficar quando a chuva se for.
Fonte: "Enternecimento", Paulo Pongetti Editora, 1929.
Originalmente publicado em: "Enternecimento", Paulo Pongetti Editora, 1929.
Fonte: "Enternecimento", Paulo Pongetti Editora, 1929.
Originalmente publicado em: "Enternecimento", Paulo Pongetti Editora, 1929.