Cemitérios
Poema de Carlos Drummond de Andrade
I / Gabriel Soares
O corpo enterrem-me em São Bento
na capela-mor com um letreiro que diga
Aqui jaz um pecador
Se eu morrer na Espanha ou no mar
mesmo assim lá estará minha campa
e meu letreiro
Não dobrem sinos por mim
e se façam apenas os sinais
por um pobre quando morre
II / Campo-maior
No cemitério de Batalhão os mortos de Jenipapo
não sofrem chuva nem sol; o telheiro os protege,
asa imóvel na ruína campaneira.
III / Doméstico
O cão enterrado no quintal
Todas as memórias sepultadas nos ossos
A casa muda de dono
A casa - olha - foi destruída
A 30 metros no ar a guria vê a gravura de um cão
Que é isso mãezinha
e a mãe responde
Era um bicho daquele tempo
Ah que fabuloso
IV / De bolso
Do lado esquerdo carrego meus mortos.
Por isso caminho um pouco de banda.
V / Errante
Urna
que minha tia carregou pelo Brasil
com as cinzas de seu amor tornado incorruptível
misturado ao vestido preto, à saia branca, à boca morena
urna de cristal urna de silhão urna praieira urna oitocentista
urna molhada de lágrimas grossas e de chuva na estrada
urna bruta esculpida em paixão de andrade sem paz e sem remissão
vinte anos viajeira
urna urna urna
como um grito na pele da noite um lamento de bicho
talvez entretanto azul e com florinhas
urna a que me recolho para dormir enrodilhado
urna eu mesmo de minhas cinzas particulares.
Fonte: "Poesia completa", Editora Nova Aguilar, 2006.
Originalmente publicado em: "Fazendeiro do ar", 1954.
Fonte: "Poesia completa", Editora Nova Aguilar, 2006.
Originalmente publicado em: "Fazendeiro do ar", 1954.