A Catona - Gregório de Matos

Imagem de Gregório de Matos, poeta do Barroco brasileiro

Poema de Gregório de Matos



Que pouco sabe de amor
Quem viu, formosa Catona,
Que há nessa celeste zona
Astro ou luminar maior.
Também a violeta é flor,
E mais é negra a violeta;
E, se bem pode um poeta
Uma flor negra estimar,
Também eu posso adorar
Nos céus um pardo planeta.

Catona é moça luzida,
Que a pouco custo se asseia;
Entende-se como feia,
Mas é formosa entendida.
Escusa-se comedida
E ajusta-se envergonhada;
Não é tão desapegada
Que negue a uma alma esperança,
Porque, enquanto a não alcança,
Não morra desesperada.

Pisa airoso e compassado,
Sabe-se airosa mover,
Calça que é folgar de ver
E mais anda a pé folgado.
Conversa bem sem cuidado,
Ri sisuda na ocasião,
Escuta com atenção,
Responde com seu desdém,
E inda assim responde bem
E é benquista à sem-razão.

É parda de tal talento
Que a mais branca e a mais bela
Poderá trocar com ela
A cor pelo entendimento.
É um prodígio, um portento;
E, se vos espanta ver
Que adrede me ando a perder,
Dá-me por desculpa amor,
Que é fêmea trajada em flor
E sol mentido em mulher.




Fonte: "Obra Poética", Tipografia Nacional, 1882.
Originalmente publicado em códices da segunda metade do século XVII.