Reprovações
Poema de Gregório de Matos
Se sois homem valeroso,
Dizem que sois temerário,
Se valente – espadachim,
E atrevido, se esforçado.
Se resoluto – arrogante,
Se pacífico, sois fraco,
Se precatado – medroso,
E se o não sois – confiado.
Se usais justiça, um Herodes,
Se favorável, sois brando,
Se condenais, sois injusto,
Se absolveis, estais peitado.
Se vos dão, sois um covarde,
E se dais, sois desumano,
Se vos rendeis, sois traidor,
Se rendeis – afortunado.
Se sois plebeu, sois humilde,
Soberbo, se sois fidalgo,
Se sois segundo, sois pobre,
E tolo, se sois morgado.
Se galeais, sois fachada,
E se não – não sois bizarro,
Se vestis bem, sois gram moda,
Se mal vestis, sois um trapo.
Se comeis muito – guloso,
E faminto, se sois parco,
Se comeis bem – regalão,
E se mal, nunca sois farto.
Se não sofreis – imprudente,
Se sofreis, sois um coitado,
Se perdoais, sois bom homem,
E se não sois – um tirano.
Se brioso, tendes fumos,
E se não, sois homem baixo,
Se sois sério – descortês,
Se cortês – afidalgado.
Se defendeis, sois amigo,
Se o não fazeis, sois contrário,
Se sois amigo – suspeito,
Se o não sois – afeiçoado.
Se obrais mal, sois ignorante,
Se bem obrais – foi acaso,
Se não servis – sois isento,
E se servis – sois criado.
Se virtuoso – fingido,
E hipócrita, se beato,
Se zeloso – impertinente,
E se não, sois um patrano.
Se sois sisudo – intratável,
Se sois devoto – sois falso,
Pertinaz, se defendente,
Se arguinte – porfiado.
Se discreto – prevenido,
E se não – sois insensato,
Se sois modesto – sois simples,
E se o não sois – sois um diabo.
Se sois gracioso – sois fátuo,
E se não sois – um marmanjo,
Se sois agudo – tresledes,
E se o não sois – sois um asno.
Se não compondes – sois néscio,
Se escreveis – sois censurado,
Se fazeis versos – sois louco,
E se o não fazeis – sois parvo.
Se previsto – feiticeiro,
E se não – desmazelado,
Se verdadeiro – bom homem,
Muito humilde, se sois lhano.
Se robusto – sois grosseiro,
Se delicado – sois brando,
Se descansado – ocioso,
Se para pouco – sois tranco.
Se sois gordo – sois balofo,
Sois tísico, se sois magro,
Se pequeno – sois anão,
E gigante, se sois alto.
Se sois nobre – sois pelão,
E se oficial – sois baixo,
Se solteiro – extravagante,
Se noivo – sois namorado.
Se corado – figadal,
Descorado, se sois alvo,
Se grande nariz – judeu,
Se trigueiro – sois mulato.
Se liberal – sois perdido,
E se o não sois – sois escasso,
Se sois pródigo – vicioso,
E avarento, se poupado.
Se não despendeis – mesquinho,
Se despendeis – sois mui largo,
Se não gastais – miserável,
Se gastais – esperdiçado.
Se honesto sois – não sois homem,
...se sois casto,
Se não namorais – ......
Se o fazeis – sois estragado.
Se não luzis – não sois gente,
Se luzis – sois mui presado,
Se pedis – sois pobretão,
E se não – fazeis Calvários.
Se andais devagar – mimoso,
Se depressa – sois cavalo,
Mal encarado, se feio,
Se gentil – afeminado.
Se falais muito – palreiro,
Se falais pouco – sois tardo,
Se em pé – não tendes assento,
Preguiçoso, se assentado.
E assim não pode viver
Neste Brasil infestado,
Segundo o que vos refiro,
Quem não seja reprovado.
Fonte: "Obra Poética", Tipografia Nacional, 1882.
Originalmente publicado em códices da segunda metade do século XVII.