Passeio

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Poema de Cecília Meireles



Quem me leva adormecida
por dentro do campo fresco,
quando as estrelas e os grilos
palpitam ao mesmo tempo?

O céu dorme na montanha,
o mar flutua em si mesmo,
o tempo que vai passando
filtra a sombra nas areias.

Quem me leva adormecida
sobre o perfume das plantas
quando no fundos dos rios
a água é nova a cada instante?

Não há palavras nem rostos:
eu mesma não me estou vendo.
Alguém me tirou do corpo,
fez-me nome, unicamente,

nome, para que as perguntas
me chamem com vozes tristes
e eu não me esqueça de tudo
se houver um dia seguinte.

O céu roda para oeste:
as pontes vão para as águas.
O vento é um silêncio inquieto
com perspectivas de barcos.

Quem me leva adormecida
pelas dunas, pelas nuvens,
com este som inesquecível
do pensamento no escuro?



Fonte: "Viagem", Editora Ocidente, 1942.
Originalmente publicado em: "Viagem", 1939.

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