No Boqueirão

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Poema de Gregório de Matos



Acabou-se esta cidade,
Senhor, já não é Bahia.
Já não há temor de Deus,
Nem d’El-Rei, nem da Justiça.

Lembra-me que há poucos anos,
Ainda não há muitos dias,
Que para qualquer função
De um crime a prisão se urdia.

Iam por esse sertão,
Ao centro da Jacobina,
Prender algum matador,
Ainda que fosse à espadilha.

Mas hoje, dentro na praça,
Nas barbas da infantaria,
Nas bochechas das Granachas,
Com pólvora e forca à vista:

Que esteja um surucucu
Com soberana ousadia,
Feito Parca da cidade,
Cortando os fios às vidas!

Com tantas mortes às costas,
E que não haja uma rifa
De paus que ao tal matador
Lhe sacuda o basto em cima.

É mui bárbaro rigor
O desta cobra atrevida,
Que esteja na estrada posta
Fazendo assaltos à vista.

Onde está Gaspar Soares,
Que não vai à espora fita,
No lazão lançar-lhe a garra,
E mete-lá na enxovia?

Se está no mato emboscada,
No seu mocambo metida,
Mandem-lhe um terço ligeiro
De infantes de Henrique Dias.

Se dizem que está na peça,
Deem-lhe fogo à colubrina,
Já que faz peças tão caras,
Custe-lhe esta peça a vida.

Vão quatro ou seis artilheiros
Cavalgar-lhe a artilharia,
Porque, em sendo noite, dá
Fogo a toda coisa viva.

Fira com balas ervadas
A que não há medicina,
Porque as traz sempre na boca
Com venenosa saliva.

O caso é monstruosidade,
Porém não é maravilha,
Que haja cobras e lagartos
Entre tanta sevandija.

Só digo que é boa peça,
Porque, na peça escondida,
Vela na peça de noite,
Dorme na peça de dia.




Fonte: "Obra Poética", Tipografia Nacional, 1882.
Originalmente publicado em códices da segunda metade do século XVII.