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Poema de Manoel de Barros



Fomos rever o poste.
O mesmo poste de quando a gente brincava de pique
e de esconder.
Agora ele estava tão verdinho!
O corpo recoberto de limo e borboletas.
Eu quis filmar o abandono do poste.
O seu estar parado.
O seu não ter voz.
O seu não ter sequer mãos para se pronunciar com
as mãos.
Penso que a natureza o adotara em árvore.
Porque eu bem cheguei de ouvir arrulos de passarinhos
que um dia teriam cantado entre as suas folhas.
Tentei transcrever para a flauta a ternura dos arrulos.
Mas o mato era mudo.
Agora o poste se inclina para o chão - como alguém
que procurasse o chão para repouso.
Tivemos saudades de nós.



Fonte: "Poesia Completa", Editora Leya, 2010.
Originalmente publicado em: "Poemas rupestres", 2004.

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