50. Guarani


Poema de crroma



Parecia um oceano
em rocha segredado.
Parecia indefectível, deus indígena
no seio do continente: Aquífero,
cujos poros da pele se nutriam das chuvas,
por cujos lábios, rios e lagos se entornavam.

Aparências que a crua interferência humana expunge.
As chuvas se concentram,
escoem por adulteradas superfícies.
As secas se dilatam no tempo.
O calor faz o ar seco
ávido pelas águas, que evaporam.

Escavaram-no para matar a sede de residências,
para irrigar monoculturas.
Sob o irracional cerco, o Aquífero recua.
Um oceano que esgota,
enquanto poços se multiplicam,
poços rasos se esvaziam,
outros mergulham num obstinado consumo.

Mas talvez não seja esgotamento.
Talvez seja apenas cansaço.
E o Aquífero se recolhe em si mesmo,
no âmago da crosta,
onde suas águas são velhas
de milhares de anos.
Velhas de gentes pretéritas
e melhores. Velhas de um continente
livre de povos,
entregue ao simples fluir da natureza.

Recolhe-se,
aguardando a ascensão de novas culturas
ou espécies novas.
Com geológica paciência.




(Da Agência Brasil: 'Reposição de estoque do Aquífero Guarani é insuficiente, mostra estudo')