Uma graciosa mulata filha de Ouiba

Imagem de Gregório de Matos

Poema de Gregório de Matos



Por vida do meu Gonçalo,
Custódia formosa e linda,
que eu não vi Mulata ainda
que me desse tanto abalo:
quando vos vejo e vos falo
tenho um pesar grande e vasto
do impedimento que arrasto,
porque pelos meus gostilhos
fora eu Pai dos vossos Filhos
antes que vosso Padrasto.

O diabo sujo e tosco
me tentou como idiota
a pecar com Maricota
para não pecar convosco:
mas eu sou homem tão osco,
que a ter notícia por fama
que lhe mamastes a mama
e eu tinha tão linda Nora,
então minha sogra, fora,
e não fora minha Dama.

Estou para me enforcar,
Custódia, desesperado,
e o não tenho executado
porque isso é morrer no ar:
quem tanto vos chega amar,
que quer por mais estranheza
obrar a maior fineza
de morrer, porque a confirme,
morra-se na terra firme
se quer morrer com firmeza.

Já estou disposto d'agora
a meter-vos num batel
e dar convosco em Argel
por casar com minha Nora:
não vos espante, Senhora,
que me vença tal furor,
que eu sei que em todo o rigor
o mesmo será, e mais é,
ir ser cativo em Salé
que ser cativo do Amor.



Fonte: "Obra Poética", Editora Record, 1992.
Originalmente publicado em códices da segunda metade do século XVII.

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