Coração, que em pretender

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Poema de Gregório de Matos



Coração, que em pretender
perdes tempo em esperanças,
e, quando algum bem alcanças,
é por ter mais que perder:
por coisas que não têm ser
e de que nunca te vales,
como direi, que te abales?
como direi, que convém
andar em busca de um bem,
Se de um bem nascem mil males?

Quando um firme bem procuras,
te desavéns com teus bens,
porque, perdendo os que tens,
noutros males te asseguras:
aos bens nunca te aventuras
sem certos males colher,
e eu para te defender
e a vida te conservar,
um bem não tomara achar,
De um mal quisera saber.

Do bem os males nasceram,
do mal nunca nasceu bem,
salvo o mal de quem não tem
bens de que os males se geram:
e inda que do mal puderam
os bens produzidos ser,
se os hás de vir a perder,
antes toma um mal por gosto
A quantos bens podem nascer.



Fonte: "Obra Poética", Editora Record, 1992.
Originalmente publicado em códices da segunda metade do século XVII.

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