Solombra


Poema de Cecília Meireles



Falo de ti como se um morto apaixonado
falasse ainda em seu amor, sobre a fronteira
onde as coroas desta vida se desmontam.

Sem nada ver, sigo por mapas de esperança:
ventos sem braços, vou sonhando encontros certos;
água caída, penso-me em cristal segura.

Ah, meus caminhos, ah, meu rosto, audaz e grave!
O claro sol, as altas sombras, a onda inquieta
e o vasto olhar das grandes noites acordadas!

E abre-se o mundo por mil portas simultâneas.
Quem aparece? E outras mil portas sobre o mundo
se fecham. Tudo se revela tão perene

que eu é que sou translúcida morta.



Fonte: "Antologia Poética", Editora do Autor, terceira edição, 1966.
Originalmente publicado em: "Antologia Poética", 1963.
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