Bairra do Sirinhaém

Imagem de João Cabral de Melo Neto

Poema de João Cabral de Melo Neto



1

Se alguém se deixa, se deita,
numa praia do Nordeste,
ao sempre vento de leste,
mais que se deixa, se deita,

se se entrega inteiro ao mar,
se fecha o corpo, se isola
dentro da própria gaiola
e menos que existe, está;

se além disso a brisa alísia
que o mar sopra (ou sopra o mar)
faça com que o coqueiral
entoe sua única sílaba:

esse alguém pode que ouvisse,
assim cortado, e vazio,
no seu só estar-se, o assovio
do tempo a fluir, seu fluir-se.

2

Se alguém se deixa, se deita,
numa praia do Nordeste
ao sempre vento de leste,
mais que se deita, se deixa,

sente com o corpo que a terra
roda redonda em seu eixo,
pois que pode sentir mesmo
que as suas pernas se elevam,

que há um subir do horizonte,
que mais alto que a cabeça
seu corpo também se eleva,
vem sobre ele o mar mais longe.

Essas praias permitem
que o corpo sinta seu tempo,
o espaço no rodar lento,
sua vida como vertigem.



Fonte: "A educação pela pedra e depois", Editora Nova Fronteira, 1997.
Originalmente publicado em: "A escola das facas", 1980.
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