Verão carioca 73

Imagem de Carlos Drummond de Andrade

Poema de Carlos Drummond de Andrade



O carro do sol passeia rodas de incêndio
sobre os corpos e as mentes, fulminando-os.
Restam, sob o massacre, esquírolas de consciência,
a implorar, sem esperança, um caneco de sombra.

As árvores decotadas, alamedas sem árvores.
O ar é neutro, fixo, e recusa passagem
às viaturas da brisa. O zinir de besouros buzinas
ressoa no interior da célula ferida.

Sobe do negro chão meloso espedaçado
o súlfur dos avernos em pescoções de fogo.
A vida, esse lagarto invisível na loca,
ou essa rocha ardendo onde a verdura ria?

O mar abre-se em leque à visita de uns milhares,
mas, curvados ao peso dessa carga de chamas,
em mil formas de esforço e pobreza e rotina, milhões
curtem a maldição do esplêndido verão.



Fonte: "As Impurezas do Branco", José Olympio Editora, 1973.
Originalmente publicado em: "As Impurezas do Branco", 1973.
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