Rio e/ou poço
Poema de João Cabral de Melo Neto
Quando tu, na vertical,
te ergues, de pé em ti mesma,
é possível descrever-te
com a água da correnteza;
tens a alegria infantil,
popular, passarinheira,
de um riacho horizontal
(e embora de pé estejas).
Mas quando na horizontal,
em certas horas, te deixas,
que é quando, por fora, mais
as águas correntes lembras,
mas quando à tua extensão,
como se rio, te entregas,
quando te deitas em rio
que se deita sobre a terra,
então, se é da água corrente,
por longa, tua aparência,
somente a água de um poço
expressa tua natureza;
só uma água vertical
pode, de alguma maneira,
ser a imagem do que és
quando horizontal e queda.
Só uma água vertical,
água parada em si mesma,
água vertical de poço,
água toda em profundeza,
água em si mesma, parada,
e que ao parar mais se adensa,
água densa de água, como
de alma tua alma está densa.
Originalmente publicado em: "Quaderna", 1960.