O relógio
Poema de Carlos Drummond de Andrade
A hora no bolso do colete é furtiva,
a hora na parede da sala é calma,
a hora na incidência da luz é silenciosa.
Mas a hora no relógio da Matriz é grave
como a consciência.
E repete. Repete.
Impossível dormir, se não a escuto.
Ficar acordado, sem sua batida.
Existir, se ela emudece.
Cada hora é fixada no ar, na alma,
continua soando na surdez.
Onde não há mais ninguém, ela chega e avisa
varanda o pedregal da noite.
Som para ser ouvido no longilonge
do tempo da vida.
Imenso
no pulso
este relógio vai comigo.
Fonte: "Antologia Poética", Editora Record, 2001.
Originalmente publicado em: "Boitempo e A falta que ama", Editora Sabiá, 1968.