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Poema de João Cabral de Melo Neto
Essa bala que um homem
leva às vezes na carne
faz menos rarefeito
todo aquele que a guarde.
O que um relógio implica
por indócil e inseto,
encerrado no corpo
faz este mais desperto.
E se é faca a metáfora
do que leva no músculo,
facas dentro de um homem
dão-lhe maior impulso.
O fio de uma faca
mordendo o corpo humano,
de outro corpo ou punhal
tal corpo vai armando,
pois lhe mantendo vivas
todas as molas da alma
dá-lhes ímpeto de lâmina
e cio de arma branca,
além de ter o corpo
que a guarda crispado,
insolúvel no sono
e em tudo quanto é vago,
como naquela história
por alguém referida
de um homem que se fez
memória tão ativa
que pôde conservar
treze anos na palma
o peso de uma mão,
feminina, apertada.
Originalmente publicado em: "Duas águas", 1956.