O guarda-chuva preto

Imagem de Adélia Prado

Poema de Adélia Prado



Esquecido na mesa,
com o cabo voltado para cima
e as bordas arrepanhadas,
é como seu dono vestido,
composto no seu caixão.
Não desdobra a dobradiça,
não pousa no braço grave
do que, sendo seu patrão,
foi pra debaixo da terra.
Ele vai para o porão.
Existe um retrato antigo
em que posou aberto,
com o senhor moço e sem óculos.
Guarda-chuva, guarda-sol,
guarda-memória pungente
de tudo que foi em nós
um pouco ridículo e inocente.
Guarda-vida, arquivo preto,
cão de luto, cão jazente.



Fonte: "Poesia Reunida", Editora Record, 2015.
Originalmente publicado em: "O coração disparado", Editora Nova Fronteira, 1978.


Tecnologia do Blogger.