Na morte dos rios

Imagem de João Cabral de Melo Neto

Poema de João Cabral de Melo Neto



Desde que no Alto Sertão um rio seca,
a vegetação em volta, embora de unhas,
embora sabres, intratável e agressiva,
faz alto à beira daquele leito tumba.
Faz alto à agressão nata: jamais ocupa
o rio de ossos areia, de areia múmia.


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Desde que no Alto Sertão um rio seca,
o homem ocupa logo a múmia esgotada:
com bocas de homem, para beber as poças
que o rio esquece, e até a mínima água:
com bocas de cacimba, para fazer subir
a que dorme em lençóis, em fundas salas;
e com bocas de bicho, para mais rendimento
de seu fossar econômico, de bicho lógico.
Verme de rio, ao roer essa areia múmia,
o homem adianta os próprios, póstumos.



Fonte: "A educação pela pedra e depois", Editora Nova Fronteira, 1997.
Originalmente publicado em: "A educação pela pedra", 1966.


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