A progressão

Ilustração com a palavra 'Poesia'

Poema de Bruna Piantino



dona Rosa
senhora robusta
na casa dos 50
com aparência de lenhadora bruta
que extrai facilmente
os dentes do leão-marinho
semimorto en la playa Calavera

veio no fim da tarde
– presságio –
montada num quadriciclo vermelho
avisar da chegada da tormenta elétrica
e antes que evaporasse na paisagem
luzes estroboscópicas executavam
os 6 movimentos das 6 suítes de J.S. Bach

patos selvagens, albatrozes
corujas, cães e gaviões
vinham pedir abrigo
o golfinho que nadava à margem desaparecera
leste e oeste
cruzados pela malha metálica dos raios
grande violência anunciada no eco dos trovões

gotas de chuva colidiam
como projéteis no telhado da casa
ao longe onde eram absorvidas as descargas
o mar beirava o infinito
dispensadas as candelas do candelabro
os olhos fixados nas correntes agitadas
que ansiavam os favores da lua cheia

era sabido que o mar estava próximo
que as ondas que escalavam as rochas
davam de frente para a casa
que a água começava a entrar pelas frestas
fazendo da pele de vidro uma cascata intermitente
era árdua a tarefa de manter acesa a lareira
com apenas pinha, isqueiro e tocos de madeira

lá fora, noite negra
fez-se esposa da chuva
e amante do vento
o fogo
com suas labaredas de medusas
constrói a memória da casa
a memória das paredes

lá fora, noite densa
protagonista
do marulho das vagas
enquanto coriscos
seguidos por seus rosnados
cessam no arco-circunferência
do cælum esgotado

consoante casas brancas quadradas
alvoreciam feito carvão em brasa
a estrela de Ishtar esvanecia
o fresnel do farol adormecia
um marujo desayunava

um bando de lobos gritava
ao batel que o mar rasgava



Fonte: Coleção "Leve um Livro", 2016.


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