Irrealidade

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Poema de Cecília Meireles



Como num sonho
aqui me vedes:
água escorrendo
por estas redes
de noite e de dia.

A minha fala
parece mesmo
vir do meu lábio
e anda na sala
suspensa em asas
de alegoria.

Sou tão visível
que não se estranha
o meu sorriso.
E com tamanha
clareza pensa
que não preciso
dizer que vive
minha presença.

E estou de longe,
compadecida.
Minha vigília
é anfiteatro
que toda a vida
cerca, de frente.
Não há passado
nem há futuro.
Tudo que abarco
se faz presente.

Se me perguntam
pessoas, datas,
pequenas coisas
gratas e ingratas,
cifras e marcos
de quando e onde,
- a minha fala
tão bem responde
que todos creem
que estou na sala.

E ao meu sorriso
vós me sorris...
Correspondência
do paraíso
da nossa ausência
desconhecida
e tão feliz.



Fonte: "Antologia Poética", Editora do Autor, terceira edição, 1966.
Originalmente publicado em: "Mar Absoluto", 1945.


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