Cobra Norato - trechos 18 a 20 - Raul Bopp

Raul Bopp, poeta da segunda geração do modernismo brasileiro, autor de "Cobra Norato"..

Poema de Raul Bopp



XVIII

Vou me estirar neste paturá
para ouvir barulhos de beira de mato
e sentir a noite toda habitada de estrelas

Quem sabe se uma delas
com seus fios de prata
viu o rasto luminoso da filha da rainha Luzia?

Dissolvem-se rumores distantes
num fundo de floresta anônima

Sinto bater em cadência
a pulsação da terra

Silêncios imensos se respondem...


XIX

Mar desarrumado
de horizontes elásticos
passou toda a noite com insônia
monologando e resmungando

Chegam ondas cansadas da viagem
descarregando montanhas

Fatias do mar dissolvem-se na areia
Parece que o espaço não tem fundo...

- De onde é que vem tanta água, compadre?


XX

Começa hoje a maré grande

O mar está se aprontando
para receber as águas vivas
de contrato com a lua

- Vamos rumar pras bandas do Bailique
para ver chegar a pororoca

O mangue pediu terra emprestada
pra construir aterros gosmentos

Brigam raízes famintas

A água engomada de lama
resvala devagarinho na vasa mole

Abrem-se pântanos de aninga
nas clareiras alagadas
Raízes descalças afundam-se nos charcos

Moitas garranchentas amarram o caminho
- Pressa, compadre
Temos que chegar antes da lua

Esta costa baixa pegou verão
O rio se encolheu. A água se retirou
O vento rói as margens de beiços rachados

O mangue de cara feia
vem de longe caminhando com a gente




Fonte: "Poesia completa de Raul Bopp", José Olympio Editora, 2014.
Originalmente publicado em: "Cobra Norato", Irmãos Ferraz, 1931.