Choques
Poema de Murilo Mendes
O choque de teus pensamentos furiosos
Com a inércia da boca e dos braços de outros.
O choque dos cerimoniais antigos
Com a velocidade dos aviões de bombardeio.
O choque da foice contra o cristal dos milionários.
O choque das roseiras emigrantes
Com o silêncio das linhas retas nas janelas.
A tempestade calcula um choque de distâncias
Com o lúcido farol e seus presságios.
Chocam-se as águias arredando a noite
Com o armário que, inalterável, rumina.
Um ouvido resistente poderia perceber
O choque do tempo contra o altar da eternidade.
Choca-se a enorme multidão sacrificada
Com o ditador sentado na metralhadora.
Choca-se a guilhotina erguida pelo erro dos séculos
Com a pomba mirando a liberdade do horizonte.
Fonte: "Murilo Mendes: Melhores Poemas", Global Editora, 2012.
Originalmente publicado em: "Poesia Liberdade", Editora Agir, 1947.