Grafito para Ipólita - Murilo Mendes

Murilo Mendes - poeta de segunda geração do modernismo brasileiro

Poema de Murilo Mendes



1

A tarde consumada, Ipólita desponta.

Ipólita, a putain do fim da infância,
Nascera em Juiz de Fora, a família em Ferrara,

Seus passos feminantes fundam o timbre.
Marcha, parece, ao som do gramofone.

A cabeleira-púbis, perturbante.
Os dedos prolongados em estiletes.

Os lábios escandindo a marselheza
Do sexo. Os dentes mordem a matéria.

O olho meduseu sacode o espaço.
O corpo transmitindo e recebendo

O desejo o chacal a praga o solferino.
Pudesse eu decifrar sua íntima praça!

Expulsa o sol-e-dó, a professora, o ícone.
Só de vê-la passar, meu sangue inobre

Desata as rédeas ao cavalo interno.

2

Quando tarde a revejo, rio usado,
Já a morte lhe prepara a ferramenta.

Deixa o teatro, a matéria fecal.
Pudesse eu libertar seu corpo (Minha cruzada!)

Quem sabe, agora redescobre o viso
Da sua primeira estrela, esquartejada.

3

Por ela meus sentidos progrediram.
Por ela fui voyeur antes do tempo.

4

O dia emagreceu. Ipólita desponta.




Fonte: "Poesia completa e prosa", Nova Aguilar, 1994.
Originalmente publicado em: "Convergência", Duas Cidades, 1970.