Retrato de Marília - Alvarenga Peixoto
Poema de Alvarenga Peixoto
Marília bela,
Vou retratar-te,
Se a tanto a Arte
Puder chegar.
Trazei-me, Amores;
Quanto vos peço,
Tudo careço
Para a pintar.
Nos longos fios
De seus cabelos,
Ternos desvelos
Vão-se enredar
Trazei-me, Amores;
Das minas d’ouro
Rico tesouro
Para os pintar.
No resto, a idade
Da Primavera
Na sua esfera
Se vê brilhar.
Trazei-me, Amores;
As mais viçosas
Flores vistosas
Para o pintar.
Quem há que a testa
Não ame e tema:
De um Diadema
Digno lugar
Trazei-me, Amores,
Da selva Idália
Jasmins de Itália
Para a pintar.
A frente adornam
Arcos perfeitos,
Que de mil peitos
Sabe triunfar.
Trazei-me, Amores
Justos nivéis,
Sutis pincéis
Para os pintar.
A um doce aceno
Dos brandos olhos,
Setas a molhos
Se veem voar.
Trazei-me, Amores,
Do Sol os raios,
Do Céu as cores
Para os pintar.
Nas lisas faces
Se vê a aurora,
Quando colora
A terra, e o mar.
Trazei-me, Amores,
As mais mimosas
Pudicas rosas
Para as pintar.
Os meigos risos
Com graças novas
Nas lindas covas
Vão-se ajuntar.
Trazei-me, Amores,
Aos pincéis leves
As sombras breves
Para os pintar.
Vagos desejos
Da boca as brasas.
As frágeis asas
Deixam queimar.
Trazei-me, Amores,
Corais subidos,
Rubins partidos
Para a pintar.
Entre alvos dentes
Postos em ala,
Suave fala
Perfuma o ar.
Trazei-me, Amores,
Nas conchas claras
Pérolas raras
Para os pintar.
O colo atlante
De tais assombros
Airosos ombros
Corre a formar.
Trazei-me, Amores
Jaspes às mãos cheias
Das finas veias
Para o pintar.
Do peito as ondas
São tempestades,
Onde as vontades
Vão naufragar.
Trazei-me, Amores,
Globos gelados,
Limões nevados
Para o pintar.
Mãos cristalinas,
Roliços braços
Que doces laços
Prometem dar
Trazei-me, Amores;
As açucenas
Das mais pequenas
Para as pintar.
A delicada,
Gentil cintura
Toda se apura
Em se estreitar.
Trazei-me, Amores,
Ânsias, que fervem,
Só essas servem
Para a pintar.
Pés delicados
Ferindo a terra
Às almas guerra
Vêm declarar.
Trazei-me, Amores,
As setas prontas
De curtas pontas
Para os pintar.
Porte de Deusa,
Espírito nobre,
E o mais que encobre
Pejo vestal.
Só vós, Amores,
Que as graças nuas
Vedes, as suas
Podeis pintar.
Fonte: "Obras Poéticas de Alvarenga Peixoto", Ateliê Editorial, 2020.
Originalmente publicado em: dispersos em obras como "Parnaso Brasileiro", "Novo Parnaso Brasileiro", "Miscelânea Poética", "Jornal Poético" e "Coleção de poesias", entre 1809 e 1855.