Corte transversal do poema - Murilo Mendes
Poema de Murilo Mendes
A música do espaço pára, a noite se divide em dois pedaços.
Uma menina grande, morena, que andava na minha cabeçа,
fica com um braço de fora.
Alguém anda a construir uma escada pros meus sonhos.
Um anjo cinzento bate as asas
em torno da lâmpada.
Meu pensamento desloca uma perna,
o ouvido esquerdo do céu não ouve a queixa dos namorados.
Eu sou o olho dum marinheiro morto na Índia,
um olho andando, com duas pernas.
O sexo da vizinha espera a noite se dilatar, a força do homem.
A outra metade da noite foge do mundo, empinando os seios.
Só tenho o outro lado da energia,
me dissolvem no tempo que virá, não me lembro mais quem sou.
Fonte: "Poesia completa e prosa", Nova Aguilar, 1994.
Originalmente publicado em: "Poemas", Editorial Dias Cardoso, 1930.
