Cobra norato - trechos 1 e 2
Poema de Raul Bopp
I
Um dia
eu hei de morar nas terras do Sem-fim
Vou andando caminhando caminhando
Me misturo no ventre do mato mordendo raízes
Depois
faço puçanga de flor de tajá de lagoa
e mando chamar a Cobra Norato
- Quero contar-te uma história
Vamos passear naquelas ilhas decotadas?
Faz de conta que há luar
A noite chega mansinho
Estrelas conversam em voz baixa
Brinco então de amarrar uma fita no pescoço
e estrangulo a Cobra.
Agora sim
me enfio nessa pele de seda elástica
e saio a correr mundo
Vou visitar a rainha Luzia
Quero me casar com sua filha
- Então você tem que apagar os olhos primeiro
O sono escorregou nas pálpebras pesadas
Um chão de lama rouba a força dos meus passos
II
Começa agora a floresta cifrada
A sombra escondeu as árvores
Sapos beiçudos espiam no escuro
Aqui um pedaço de mato está de castigo
Arvorezinhas acocoram-se no charco
Um fio de água atrasada lambe a lama
- Eu quero é ver a filha da rainha Luzia!
Agora são os rios afogados
bebendo o caminho
A água resvala pelos atoleiros
afundando afundando
Lá adiante
a areia guardou os rastos da filha da rainha Luzia
- Agora sim
vou ver a filha da rainha Luzia
Mas antes tem que passar por sete portas
Ver sete mulheres brancas de ventres despovoados
guardadas por um jacaré
- Eu só quero a filha da rainha Luzia
Tem que entregar a sombra para o Bicho do Fundo
Tem que fazer mirongas na lua nova
Tem que beber três gotas de sangue
- Ah só se for da filha da rainha Luzia!
A selva imensa está com insônia
Bocejam árvores sonolentas
Ai que a noite secou. A água do rio se quebrou
Tenho que ir-me embora
Me sumo sem rumo no fundo do mato
onde as velhas árvores grávidas cochilam
De todos os lados me chamam
- Onde vais Cobra Norato?
Tenho aqui três arvorezinhas jovens à tua espera
- Não posso
Eu hoje vou dormir com a filha da rainha Luzia
Fonte: "Poesia completa de Raul Bopp", José Olympio Editora, 2014.
Originalmente publicado em: "Cobra Norato", Irmãos Ferraz, 1931.