Do outro lado
Poema de Olga Savary
Mas embora seca eu estivesse
a fonte longamente esperada
abriu-se na manhã cinzenta
como noite clara.
Veio a vontade de dizer as coisas
mas as coisas se atropelaram.
Depois, as luzes avistadas eram
de cidade tão estranhada agora
que eu mudara para outra não sabida.
A lua, a sempre mesma (verdadeira),
era parca. Crio outra lua
que melhor destile
tua tristeza minha tristeza.
O caminho não é mais só pela calçada:
brincando de fantasma, gênio das águas,
o menino de pedra finge dois passos a mais
comigo - seguimos de mãos dadas.
Suspensos num jardim suspenso
- invisíveis, penso -
devoramos um inteiro
canteiro de estranhas folhas.
Melhor talvez fora cortar
as flores divisadas
e replantar
outras que nos bastassem.
Jardim incultivado: nosso remorso.
Fonte: "Repertório selvagem - obra reunida", Biblioteca Nacional/ Multi Mais/ Universidade de Mogi das Cruzes, 1998.
Originalmente publicado em: "Espelho Provisório", José Olympio, 1970.