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Poema de Vicente de Carvalho



Vai, branca e fugidia,
A nuvem pelo ar:
Roça de leve a lua,
Embebe-se em luar.

E toda resplandece
No brilho do luar,
Mas pouco a pouco passa,
Perde-se no ar.

Minha alma na tua alma
- Nuvem que trouxe o vento
Passou por um instante,
Roçou por um momento.

E toda luminosa
Brilhou. Foi um momento:
Passou como uma nuvem
Levada pelo vento.

Eu refleti apenas
Um brilho que era teu;
Passei e tu ficaste,
Ficou contigo o céu.

Sonhei. Que belo sonho
Vivido em pleno céu!
Mas, ai! sonhei apenas
Um sonho todo teu.

A vida era uma aurora,
E a tua voz suave
Cantava em meu ouvido
Com um gorjeio de ave.

Mentias. E a mentira
Era um gorjeio de ave.
Morresse eu enganado
De engano tão suave!

Que angústias na lembrança
De tudo que perdi!
Ai, beijos desse lábio
Que hoje nem me sorri!

Vestígio derradeiro
Que me ficou de ti,
Bendita esta saudade
De tudo que perdi!

Sim,, eu bendigo em pranto
O amor abandonado
Que foi um dia o sonho
De amar e ser amado.

Quem ama sempre, um dia
Deixa de ser amado:
Somente o amor que foge
Não é abandonado.

Que resta em nós agora
Da primavera em flor?
Em ti, o esquecimento,
Em mim, o meu amor.

Amor desfeito em mágoa
Mas abençoado amor,
Que foi um dia, ao menos,
A primavera em flor.



Fonte: "Poemas e Canções", Cardozo, Filho e Cia, 1908.
Originalmente publicado em: "Poemas e Canções", Cardozo, Filho e Cia, 1908.


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