Intimidade

Imagem Henriqueta Lisboa

Poema de Henriqueta Lisboa



Quem descerrou os velários brancos da alma
para espairecer a inquietude e cantar a efêmera alegria,
diante de uma felicidade calma,
como diante das grandes amarguras, silencia.

A tristeza ingênua que o crepúsculo nos inspira,
a lágrima por um sonho que se sonhou de joelhos,
a ternura que foi um momento de delicada mentira,
tudo isso fulge à superfície dos espelhos.

Mas para a dor, a que feriu como um punhal,
como para a doçura sem o mais leve ressaibo
de fel, existe longe um reino à porta do qual
há uma princesa misteriosa de dedo no lábio.

Meu desespero dorme numa profunda vala
que ninguém sabe onde fica, senão eu.
Minha consolação é uma migalha
que andou em mesas de banquete,
mas cujo suave sabor nenhum conviva percebeu.



Fonte: "Obra completa", Editora Peirópolis, 2020.
Originalmente publicado em: "Velário", Editora Belo Horizote, 1936.

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