Lize
Poema de Cláudio Manuel da Costa
Pescadores do Mondego
Que girais por essa praia,
Se vós enganais o peixe,
Também Lize vos engana.
Vós ambos sois pescadores;
Mas com diferença tanta,
Vós ao peixe armais com redes,
Ela com os olhos vos arma.
Vós rompeis o mar undoso
Para assegurar a caça;
Ela aqui no porto espera
Para lograr a filada.
Vós dissimulais o enredo,
Fingindo no anzol a traça;
Ela vos expõe patentes
As redes com que vos mata.
Vós perdeis a noite e dia
Em contínua vigilância;
Ela em um só breve instante
Consegue a preza mais alta.
Guardai-vos pois, Pescadores,
Dos olhos dessa tirana;
Que para troféus de Lize
Despojos de Alcemo bastam.
Enquanto as ondas ligeiras
Desta corrente tão clara
Inundarem mansamente
Estes álamos, que banham;
Eu espero que a memória
O conserve nestas águas,
Por padrão dos desenganos,
Por triunfo de uma ingrata.
E na frondosa ribeira
Deste rio, triste a alma
Girará sempre, avisando
Quem lhe soube ser tão falsa.
Fonte: "Obras poéticas", H. Garnier, 1903.
Originalmente publicado em: "Obras", 1768.