A Antonia

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Poema de Gregório de Matos



Que pouco sabe de amor
Quem viu, formosa Catona,
Que há nessa celeste zona
Astro ou luminar maior.
Também a violeta é flor,
E mais é negra a violeta,
E se bem pode um poeta
Uma flor negra estimar,
Também eu posso adorar
Nos céus um pardo planeta.

Catona é moça luzida,
Que a pouco custo se asseia,
Entende-se como feia,
Mas é formosa entendida:
Escusa-se comedida
E ajusta-se envergonhada,
Não é tão desapegada
Que negue a uma alma esperança,
Porque, enquanto a não alcança,
Não morra desesperada.

Pisa airoso e compassado,
Sabe-se airosa mover,
Calça que é folgar de ver
E mais anda à pé folgado:
Conversa bem sem cuidado,
Ri sisuda na ocasião,
Escuta com atenção,
Responde com seu desdém
E inda assim responde bem
E benquista a sem razão.

É parda de tal talento
Que a mais branca e a mais bela
Poderá trocar com ela
A cor pelo entendimento
A um prodígio, um portento;
E se vos espanta ver
Que adrede me ando a perder;
Dá-me por desculpa amor,
Que é fêmea trajada em flor
E sol mentido em mulher.



Fonte: "Obra Poética", Tipografia Nacional, 1882.
Originalmente publicado em códices da segunda metade do século XVII.

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