Minha lira

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Poema de Adélia Fonseca



Fui, Angelina querida,
D'amizade estremecida
Na bela corda tocar;
Mas, por mais que desejasse,
Nunca um som, que me agradasse.
Pude da lira tirar!

Angelina, a minha lira,
Triste, mui triste suspira,
Suspira com aflição;
A pobrezinha, - coitada! -,
Não sabe repetir nada
Do que diz meu coração.

Não sabe num canto lindo,
- O meu coração ouvindo, -
Dizer seu sentir profundo;
Dizer que muito te quero,
Que em adorar-te me esmero,
Que és meu consolo no mundo;

Que a par de ti sou contente,
E esqueço uma dor pungente -
Ela não sabe dizer;
Que dissipas o desgosto,
Que às vezes me alaga o rosto,
Que às vezes me faz gemer;

Que olvido amarga saudade
Nos transportes de amizade
Que tu me dás a fruir;
Saudade, que, não te vendo,
Me entrega a martírio horrendo
Na dor que me faz curtir.

Não diz que só a teu lado
Doce prazer, não gozado,
Minh'alma gozar alcança;
Não conta que te dedico
Um peito de afetos rico,.
Rico de tua lembrança.

Para que me serve a mim,
Esta lira de marfim
Cordas de ouro possuir,
Se este sentir de meu peito
Ela não sabe com jeito,
Com perfeição exprimir?

Porque a pobre lira minha
Há de ser assim mesquinha,
Há de ter tanta rudeza?
Porque, na dourada corda,
Com doçura não transborda
Do meu afeto a grandeza?

Quanto não é dura a sorte,
Que uma amizade tão forte
Me não consente expressar!
Que lira me dá tão bela,
Depois de arrancar-me d'ela,
O mago dom de encantar!

Para que me serve a mim
Esta lira de marfim
Cordas de ouro possuir,
Se este sentir de meu peito,
Ela não sabe com jeito,
Com perfeição exprimir?

Ah! se a ela a sorte avara
Der um dia uma voz clara,
Uma voz toda divina,
Então, com terna doçura,
Dirá a doce ternura
Com que te adoro, Angelina.



Fonte: "Ecos da Minh'alma", Tipografia Camillo de Lellis Masson, 1866.
Originalmente publicado em: "Ecos da Minh'alma", Tipografia Camillo de Lellis Masson, 1866.

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