Pânico no planeta Marte

Imagem da poeta Jacinta Passos

Poema de Jacinta Passos



Acabem com isto!
Façam o sol parar!
Prendam Zebedeu!
Esvaziem o mar!
Meu Deus, que aflição!
Fuzilem Maria!
Tapem o vulcão!

- Orai por eles, orai.

Uai!
Que vozes são estas? Parai!
Não podemos dormir.

São eles que vêm! Tapem o vulcão!
Será Lampião? Que vozes soturnas!
Corujas piando nas trevas noturnas?

Não enforcamos Tiradentes! Juro!
Mula-sem-cabeça. Esconjuro!
Fechem a janela. De onde sopra o vento?
São uivos de cão. Agouro. Arrepio.
Trememos de frio.

- Orai por eles, orai.

Por favor, esperai!
Não queremos morrer.
Prendam Zebedeu!
S. Judas Tadeu!

Esperai um instantinho!
Estamos morrendo!
Viver é tão bom, meu S. José do Quartinho!

Quem é que vem lá? Não nos ouves, não?
Assombração!

Uma coluna, uma coluna andando!
Girando esmagando,
vem para cima de nós! Eu morro!
Socorro!

Não queremos morrer!
Vamos criar outro Hitler!
Vamos virar curinga,
cafuringa!
Salazar!
Mistura o preto com o branco,
Franco!
Qual o elixir que vai dar?
Vamos ser neutros.
Acendam a luz. Escuro como breu.
Como vai, irmão Laval?
Que cheiro de sangue!
Cão policial!
Vamos inventar outra Gestapo!
Sopapo!

Olhem uma rosa, uma rosa vermelha!

Limpem as fileiras, façam o expurgo!

Uma rosa, rosa. Rosa sem cabeça.
É Rosa de Luxemburgo!

Quem é que vem lá? Quem bate estas portas?

Almas das criancinhas mortas!
Mortas de fome. Todo dia! Todo dia!
Em Paris, em Santos, Feira de Santana, Oceania!

Vamos rezar!
Fuzilem Maria!
Façam o sol parar!

Almas do outro mundo. Fantasmas!
Miasmas!
Olhem ali! Ali!
É a alma do negro Zumbi!
De quem será esta voz?
É Lenine! Mateoti! Estão rindo, rindo de nós!

- Orai por eles, orai.

Trotsky, ressuscitai!
Estamos morrendo!
Ninguém arranja um remédio
nem mesmo alegórico?
Elixir paregórico!
Vacina!
Mandem comprar penicilina,
ligeiro!
Para que serve o dinheiro?
Acuda! Acuda, mamãezinha!
Vamos jogar na Quitandinha!
Vamos falar porcaria!
Meu Deus, que aflição!
Não queremos morrer.
Não!

É vem Rokossovsky!
Nossos cavalos de corrida!
Nossas Colônias de turismo!
Abismo!
Rádio. Avião. Tudo em vão?
Nossos tapetes. Nossa fábrica!
Adeus trustezinho, nunca mais!
Nossa Rede de jornais!

Vamos ser sutis.
O mal está é na raiz!
Vamos defender a Família. Queres?
Vamos ter muitas mulheres.
A mulher do Ministro. A tal.
A intelectual. Todas. Possíveis e impossíveis.
Vamos ser irresistíveis.

Quem avança na noite?
São tropas marchando? Judeus massacrados? Quem avança?
Europa no cárcere rumina vingança!

Vamos fugir? Não adianta.
Vamos distribuir cachaça.
Retórica e futebol.
Vamos fazer Arte pela Arte.
Cadê a Ciência, vamos comprar?
Vamos chorar na cama.
Não adianta. Vamos gritar!
Que gosto de lama!
Vamos ser caridosos.
Anúncios luminosos!

Invadiram a Europa! Berlim!
Nosso fim!

Estamos morrendo!
Brasil! Argentina!
Último refúgio! América do Sul!

- Orai por eles, orai.

A vida se vai!
Guerrilheiros de Tito!
Maldito!
Quem foi que gemeu?
Prendam Zebedeu!
A morte já vem!
Que medo, mãezinha!
Viver é tão bom!
Chegou nosso dia!
Tapem o vulcão!
Fuzilem Maria!
Depressa! Depressa!
Meu Deus, que agonia!

Sai, Demônio! Sai!

- Orai por eles, orai.



Fonte: "Jacinta Passos, coração militante", Editora EDUFBA, 2010.
Originalmente publicado em: "Canção da Partida", Edições Gaveta, 1945.

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