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Poema de Jorge de Lima




Olhemos os olhos das crianças, que eles encerram mistérios;
dentro de suas pupilas moram selvagens bons,
pairam neles as lendas das terras desconhecidas.
Olhemos os olhos das crianças;
quando com eles cruzamos os nossos olhos.
há reconhecimentos súbitos
e reminiscências que revivem.
Que ausência de ouro e prata existe neles!
Que verdes potros relincham em suas colinas!
Que indiferença pelas arcas ricas!
Como se parecem com os olhos dos poetas!
Olhemos os olhos das crianças,
desprevenidos de crimes e borrascas,
inconscientes entre o Bem e o Mal,
sempre transparentes como a água e o mel.
Olhemos os olhos das crianças,
com seus horizontes claros, claros,
capaz es de deixar transparecer 
o avo curvado e tremulo,
o pai de sobrecasaca e a menina mãe.
Fitemos os olhos das crianças
como quem fita um écran
e vê desenrolar-se lá dentro
uma história familiar.
Olhemos os olhos das crianças
para repousar nestes céus sem pensamento
a angústia de procurar pátrias distantes
e as constelações que já morreram.



Fonte: "Obra Poética", Editora Getulio Costa, 1949.
Originalmente publicado em: "Obra Poética", Editora Getulio Costa, 1949.
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