Lira XV
Poema de Thomaz Antônio Gonzaga
A minha bela Marília
Tem de seu um bom tesouro;
Não é, Alceu, formado
Do buscado
Metal louro.
É feito de uns alvos dentes,
É feito de uns olhos belos,
De umas faces graciosas,
De crespos, finos cabelos,
E de outras graças maiores
Que a natureza lhe deu:
Bens que valem sobre a terra
E que têm valor no céu.
Eu posso romper os montes,
Dar às correntes desvios,
Pôr cercados espaçosos
Nos caldosos,
Turvos rios.
Posso emendar a ventura
Ganhando, astuto, a riqueza;
Mas, ah! caro Alceu, quem pode
Ganhar uma só beleza
Das belezas que Marília
No seu tesouro meteu?
Bens que valem sobre a terra
E que têm valor no céu.
Da sorte que vive o rico
Entre o fausto, alegremente,
Vive o guardador do gado
Apoucado,
Mas contente.
Beije pois torpe avarento
As arcas de barras cheias;
Eu não beijo os vis tesouros;
Beijo as douradas cadeias,
Beijo as setas, beijo as armas
Com que o cego Amor venceu:
Bens que valem sobre a terra
E que têm valor no céu.
Ama Apolo, o fero Marte,
Ama, Alceu, o mesmo Jove:
Não é, não, a vã riqueza,
Sim beleza
Quem os move.
Posto ao lado de Marília,
Mais que mortal me contemplo;
Deixo os bens que aos homens cegam,
Sigo dos deuses o exemplo:
Amo virtudes e dotes;
Amo, enfim, prezado Alceu,
Bens que valem sobre a terra
E que têm valor no céu.
Fonte: "Marília de Dirceu", Impressão Regia, 1810.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.