A certo frade na Vila de São Francisco

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Poema de Gregório de Matos



Reverendo Frei Antônio,
se vos der venérea fome,
praza a Deus, que Deus vos tome
como vos toma o demônio:
uma purga de antimônio
devia a moça tomar,
quando houve de vos mandar
um mimo em que dá a entender
que já vos ama e vos quer
tanto como o seu cagar.

Fostes-vos mui de lampeiro
vós e os amigos de cela
ao miolo da panela
e achastes um camareiro:
metestes a mão primeiro,
de que vos desenganásseis,
e foi bem feito, que achásseis
cagalhões que, então, sentistes,
porque aquilo que não vistes
quis o demo que cheirásseis.

A hora foi temerária,
o caso tremendo e atroz,
e essa merda para vós,
se não serve, é necessária:
se a peça é mui ordinária,
eu de vós não tenho dó:
e se não dizei-me: é pó
mandar-vos a ponto cru
a Moça prendas do cu
que tão vizinho é do có?

Se vos mandara primeiro
o mijo num panelão,
não ficáreis vós então
mui longe do mijadeiro:
mas a um Frade malhadeiro,
sem correia nem lacera,
que não sente a sua perda,
seu descrédito ou desar,
que havia a Moça mandar
senão merda com mais merda?

Dos cagalhões afamados,
diz esta plebe inimiga,
que eram de ouro de má liga,
não dobrões, porém dobrados:
aos Fradinhos esfaimados
que abrindo a panela estão,
daí por cabeça um dobrão
e o mais mandai-o fechar;
que por isso e por guardar
manhã serei guardião.

Se os cagalhões são tão duros,
tão gordos, tão bem dispostos,
é porque hoje foram postos
e ainda estão mal maduros:
que na enxurrada dos tais
é de crer que abrandem mais,
porque a Moça cristãmente
não quer que quebreis um dente,
mas deseja que os comais.



Fonte: "Obra Poética", Editora Record, 1992.
Originalmente publicado em códices da segunda metade do século XVII.

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