Joaquim Sapé


Poema de Manoel de Barros



Os ornamentos de trapo de Joaquim Sapé já estavam criando cabelo de tão sujos.
Joaquim atravessava as ruelas da Aldeia como se fosse um Príncipe
Com aqueles ornamentos de trapo.
Quando entrava na Aldeia com o saco de latas às costas
Crianças o arrodeavam.
Um dia me falou, esse andarilho (eu era criança):
- Quando chove nos braços de uma formiga, o horizonte diminui.
O menino ficou com a frase incomodando na cabeça.
Como é que esse Joaquim Sapé, que mora debaixo do chapéu, e que nem tem aparelho de medir céu, pode saber que os horizontes diminuem quando chove nos braços de uma formiga?
Se nem quase formiga tem braço!
Igual quando ele me disse que do lado esquerdo do sol voam mais andorinhas do que os outros pássaros?
Pois ele não tinha aparelho de medir o sol, como podia saber!
Ele seria um ensaio de cientista?
Ele enxergava prenúncios!



Fonte: "Poesia Completa", Editora Leya, 2010.
Originalmente publicado em: "Tratado geral das grandezas do ínfimo", 2001.




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