À beira do abismo

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Poema de Júlia Cortines



Morta, enfim, a esperança e desfeita a quimera,
Tu chegaste da vida ao cimo da montanha,
Onde, no calmo horror da solidão que impera,
      Nada mais te acompanha.

Nada mais, a não ser o encarniçado apego
À existência ante a lei implacável da sorte,
Que a teus pés abre agora o inevitável pego
      Misterioso da morte.

Que há, porém, nessa crua e falaz existência,
Que tu possas querer, infeliz criatura,
Tu que dela provaste a bárbara inclemência
      E a infinita amargura?

Tu que viste rolar pelo solo os escombros
De tudo o que nasceu para morrer num dia,
E a Natureza-Mãe surda à voz dos assombros,
      Surda à voz da agonia;

E o Deus bom, o Deus justo, o Deus onipotente,
Que a distância, no espaço, a sua face oculta,
Insensível à fé, que exora, e indiferente
      À blasfêmia, que insulta;

E o lugar de um poder a outro poder ser dado:
A lei substituir o capricho divino,
E o Homem sempre através das idades levado
      Pela mão do Destino?!

Abandona-te, pois. Transpõe o curto espaço
Que te separa então do final paroxismo,
P’ra da morte cair, dado o intrépido passo,
      No silencioso abismo,

Onde vai se extinguir o que a carne padece
Desde o primeiro choro ao último gemido,
E onde a ideia e a paixão, tudo desaparece
      Sob as ondas do olvido...



Fonte: "Versos; Vibrações", Academia Brasileira de Letras, 2010.
Originalmente publicado em: "Vibrações", Laemmert &C, 1905.

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