Agulhas
Poema de João Cabral de Melo Neto
1
Nas praias do Nordeste, tudo padece
com a ponta de finíssimas agulhas:
primeiro, com a das agulhas da luz
(ácidas para os olhos e a carne nua),
fundidas nesse metal azulado e duro
do céu dali, fundido em duralumínio,
e amoladas na pedra de um mar duro,
de brilho peixe também duro, de zinco.
Depois, com a ponta das agulhas do ar,
vaporizadas no alíseo do mar cítrico,
desinfetante, fumigando agulhas tais
que lavam a areia do lixo e do vivo.
2
Entretanto, nas praias do Nordeste,
nem tudo vem com agulhas e em lâmina:
assim o vento alíseo que ali visita
não leva debaixo da capa arma branca.
O vento, que por outras leva punhais
feitos do metal de gelo, agulhíssimos,
no Nordeste sopra brisa: de algodão,
despontado; vento abaulado e macio;
e sequer em agosto, ao enflorestar-se
vento-Mata da Mirueira a brisa-arbusto,
o vento mete metais dentro do soco:
então bate forte, mas sempre rombudo.
Originalmente publicado em: "A educação pela pedra", 1966.